Borgonha, um caso de amor à primeira vista nos vinhos

Hospices de Beaune

 Por Ricardo Bohn Gonçalves


Existe amor à primeira vista? Eu diria que, ao menos nos vinhos, ele existe sim e, no meu caso, aconteceu com a Borgonha. Lembro do primeiro tinto da região que eu provei em uma aula de vinho na década de 1980. O professor era o Jorge Lucki, hoje um amigo e companheiro de viagens, principalmente, claro, para a Borgonha e, na época, professor da SBAV, a sociedade brasileira dos amigos do vinho.
 
Aquele pinot noir na minha taça tinha algo diferente, algo a mais do que os demais tintos que havíamos provado. Mesmo com a sua coloração mais clara e seu estilo mais leve e delicado do que os demais vinhos que eu conhecia, alguma coisa naquele vinho me conquistara. Era mais elegante, sem dúvida, o que me levou a estudar a região. Deste então, me surpreendo com a Borgonha: são vinhedos plantados lado a lado, que podem parecer tudo igual na paisagem, mas na taça resultam em vinhos de características tão diferentes, na melhor definição de terroir.

Não demorou muito para a minha paixão pelos tintos migrar também para os brancos. Acho que seus brancos são imbatíveis, ao menos para o meu paladar. Com o cuidado para não ser elitista, é na Borgonha que a chardonnay encontra a sua melhor expressão, seja em vinhos mais jovens ou nos mais envelhecidos.

Também tive sorte para conhecer melhor a Borgonha, em degustações aqui em São Paulo, algumas na companhia dos próprios produtores, e nas viagens – em maio agora, parto, feliz, para a minha oitava viagem para lá. Primeiro, me encantei com a região quando era possível comprar a maioria dos seus grandes vinhos. Em amigos, dividíamos a conta para provar algumas garrafas de Vosne-Romanée no jantar. Isso é quase impossível no mundo de hoje, mas degustar comparando vinhos é uma das melhores e mais agradáveis maneiras de entender uma região.

Ricardo Bohn Gonçalves
Com os preços em alta, meu caminho atual é procurar produtores na Côte Chalonnaise ou em Maconnais, que estão na faixa que cabe no bolso. Se na década de 1980 esses vinhos eram muito rudes e nem sempre balanceados, agora eles também se destacam pela qualidade e não têm os preços astronômicos da Cote D’Or. O maior conhecimento sobre o manejo do vinhedo e sobre a vinificação e a chegada da nova geração de produtores têm um papel importante nesta melhora crescente de qualidade.

Minha segunda sorte foi contar com a generosidade do mundo do vinho, seja de produtores ou de importadores. Elas me proporcionaram experiências únicas e inesquecíveis. Tenho várias delas guardadas na memória. Em uma delas, provamos o Nuits St Georges de Henry Gouges da safra de 1938. Um tinto elaborado antes da Segunda Grande Guerra! Até antes de eu nascer! Estávamos na vinícola, degustando a safra do ano corrente junto com o produtor. Com as nossas perguntas, ele começou a abrir safras para comparar. Foi se empolgando e abrindo garrafas e conversando com a gente, contando dos cuidados que tem com os seus 14 hectares de vinhedos exclusivamente em Nuits St Georges.

Até que ele foi até o fundo da adega, passou por aquele paredão falso que vários produtores, ele inclusive, ergueram para esconder seus vinhos dos alemães, e voltou com a garrafa de 1938. Não sei quem estava mais emocionado, se ele ou se eu. O vinho era de uma delicadeza única.

Tenho até hoje a lembrança deste vinho, o que só comprova a minha paixão pela Borgonha.

Comentários

  1. Anônimo10/3/24

    Relato bem escrito e verdadeiro. Uma paixao que transforma. Bom domingo

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  2. Anônimo10/3/24

    Gostei muito deste relato

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  3. Anônimo10/3/24

    Você é’ especial ! Parabéns pelo dom e pelo lindo trabalho que faz. Abcs Belarmino

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  4. Anônimo10/3/24

    É nós, aproveitando por aqui, no aguardo dos últimos lançamentos …

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  5. Anônimo10/3/24

    Um relato humano de uma região apaixonante. Obrigado por dividir com a gente, Ricardo.

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  6. Anônimo10/3/24

    Ricardo
    que bela história!
    abraço
    Luís

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  7. Anônimo10/3/24

    Ricardo , corroboro com sua paixão ; a minha se iniciou graças a influência de um amigo em comum de saudosissima memória, que tivemos meu primo Saulzinho Galvão !!!
    Nuit St George , objeto dos desejos !!!
    Parabéns pelas suas crônicas !!!

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  8. Anônimo10/3/24

    Bela história.
    Não deixe de ler o livro "Vinho & Guerra: os franceses, os nazistas e a batalha pelo maior tesouro da França", de Don e Petie Kladstrup.

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  9. Anônimo10/3/24

    Parabéns pelo relato Ricardo, deu vontade de partir pra Borgonha já. Vitor Bruno

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    1. Oi Vitor Bruno, aqui tb deu vontade de ir para lá...obrigada!

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  10. Vinicius Toledo10/3/24

    Ricardo, ótimo texto , como sempre. Bom também seria se a RBG Vinhos trouxesse os vinhos de Henri Gouges para o Brasil, seria demais! Quem sabe...

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  11. Silvio Eid10/3/24

    Excelente e saboroso artigo. Um blog inspirador. Abs

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  12. Anônimo10/3/24

    Ricardo, relato muito interessante. Fico feliz pela citação da SBAV que tenho a honra de ser associado. Sergio Prado de Mello.

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  13. Anônimo10/3/24

    Ótimo texto. Parabéns!

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  14. Anônimo10/3/24

    A história estava tão boa que achei curta.

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  15. Excelentes memórias e excelente texto!

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  16. Anônimo12/3/24

    Muito agradável e instrutivo seu artigo, bem legal

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  17. Marco Pereira15/3/24

    História simples mas muito marcante esse seu encontro com Henry Couges. Achei incrível. Parabéns pelo seu trabalho e da sua Equipe.

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