Um amigo

RBG Vinhos


Por Ricardo Bohn Gonçalves

A partida do jornalista Ricardo Castilho, sócio e diretor da revista Prazeres da Mesa, deixou o mundo da enogastronomia meio órfão. Falecido na semana passada, Castilho morreu aos 59 anos, vítima de um infarto fulminante, e as homenagem que ele recebeu mostram o quanto ele era uma pessoa querida e admirada entre seus amigos e seguidores.
 
Eu sou um deles. Nos conhecemos há um bom tempo. Se a memória não falha foi em um evento de vinhos na sede paulistana do Iate Clube de Santos. Lembro que sentamos lado a lado e conversamos bastante. Lembro também de degustar com ele em uma das edições do Pedra Azul, um evento memorável que acontecia na região serrana do Espírito Santo, daquelas com vinhos raros e inesquecíveis.
 
Nos aproximamos com o lançamento da revista Prazeres da Mesa no início dos anos 2000. Castilho vinha da gastronomia, tinha saído da revista Gula e sonhava em ter a sua própria publicação, que lançou em parceria do casal Mariella Lazaretti e Georges  Schnyder, e da sua esposa Claudia Esquilante. Mas Castilho tinha, também, uma paixão pelos vinhos e quis também dar um destaque aos brancos e tintos na publicação.
 
Na verdade, ele chegou aos vinhos ao organizar degustações de bebidas alcoólicas, com o vinho em destaque, para a revista Playboy, no final dos anos 1990. Ouvia falar dessas degustações, das quais alguns amigos meus participavam, que eram sempre às cegas, quando nós não sabemos que vinho temos na taça.
 
Com o lançamento da revista, ele me chamou para ser um dos degustadores do seu painel de vinhos. Eram provas mensais, dos mais diversos temas. Provávamos os vinhos às cegas, conversávamos sobre eles e pontuávamos. O saudoso Jorge Carrara era deste grupo, o Maurice Bibas, a Suzana Barelli, o Marcos Santos Mauro, Horst Kissmann, entre outros.
 
Mas Castilho não queria ter apenas a revista, queria fazer crescer a gastronomia. E logo criou um evento, hoje enorme e batizado atualmente de Mesa (em São Paulo, é realizado no Memorial da América Latina, tamanha a sua importância). Mas lembro muito da primeira edição, com o evento ainda pequeno, chamado de Prazeres da Mesa Ao Vivo, e realizado na Galeria Estação, um espaço bem menor do que o Memorial, em Pinheiros.
 
Eu conduziria uma degustação logo no dia da abertura, no começo da tarde. Cheguei pela manhã e o espaço destinado aos vinhos estava lotado de caixas e mais caixas de vinhos, totalmente desorganizadas. Lembro até hoje da quantidade de caixas que carreguei, que ajudei a separar, colocar no gelo, provar. No final, deu tudo certo, mas deveria ter guardado de lembrança uma foto daquela sala. Degustei por alguns anos na Prazeres até que decidi focar na RBG Vinhos, e sai da revista por, digamos, conflito de interesse. Não dá para degustar para uma revista, inclusive ajudando na seleção dos rótulos e, ao mesmo tempo, comercializar esses vinhos.
  
Mas, logo depois do lançamento da revista, encontrei o Castilho na Vinitally, a feira mais importante para os vinhos italianos, realizada em Verona. Ele estava visitando produtores junto com o Jorge Lucki, que até hoje é colunista da Prazeres da Mesa. E eu estava provando vinhos com o Lamberto Percussi, sócio da Vinheria Percussi e também um amigo que o vinho me deu. Nos juntamos e a brincadeira era que Castilho e Lucki trabalhavam, e Lamberto e eu carregávamos as garrafas que eles recebiam. Éramos os seus carregadores de vinho e que, em pagamento, iríamos provar alguns destes vinhos.
 
De volta ao Brasil, criamos um grupo de degustação, batizado, obviamente, de Vinitally. Além de nós dois, Lamberto e eu, os “carregadores de garrafa”, participavam também o Antoine e o Serge, que são os irmãos Zahil, Cassio Picoli, do Frangó, o Jorge Lucki, e o Sérgio Camargo. Nos encontrávamos sem muita frequência definida, sempre na Vinheria Percursi, cerca de duas ou três vezes ao ano, sempre ao redor de grandes vinhos. Nos últimos anos, pelas agendas complicadas, os encontros da Vinitally estavam meio erráticos. E não faz muito tempo que combinamos que o Castilho definiria a data do próximo encontro. De todas as agendas, a dele era a mais complicada.
 
Mas não deu tempo.
 


RBG Vinhos
Meu último encontro com Castilho: da esq para a dir: Ricardo Castilho, Antoine Zahil, Suzana Barelli, Serge Zehil, Ricardo Bohn Gonçalves, Fernando Guedes (presidente da Sogrape), Luís Sottomayor (enólogo do Barca Velha), Marcel Miwa e Danilo Nakamura


Por sorte, nos encontramos uma semana antes da sua morte, no evento de lançamento da safra 2015 do Barca Velha. Por coincidência, foi também no Iate Clube de Santos, em um evento grandioso, que contou com a presença do enólogo Luis Sottomayor e de Fernando Guedes, o dono do grupo Sogrape, dono deste vinho ícone.
 
E, sem saber, ao brindar com o Castilho com esse vinho na taça, eu estava me despedindo do meu amigo.

Comentários

  1. Anônimo30/6/24

    Bonito texto e bela homenagem ao Castilho. Ele é merecedor de todas as honras e o mundo brasileiro do vinho deve muito a ele.

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  2. Marco Pereira30/6/24

    Ricardo,
    Singela e bela a homenagem que vc publicou a seu amigo Ricardo Castilho. Mas a vida é assim meu amigo, as vezes nos prega umas surpresas que nos deixam desconcertados. Nos resta seguir em frente….. Que Deus o tenha a seu lado.

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  3. Silvio Eid30/6/24

    Lindíssimo texto, bela homenagem. Estas memórias engrandecem uma grande amizade.

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  4. José Geraldo Ferreira.30/6/24

    Boa tarde Ricardo!
    Tudo bem? Espero que sim.
    —-
    Apesar de não ter conhecido o Ricardo - seu renomado Xará - , fiquei muito feliz com a sua bela homenagem. Ele é merecedor!
    A vida, de fato, é um sopro e a gente precisa aproveitá-la sempre que pudermos, independente da ocasião.
    Um grande abraço!
    José Geraldo.

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  5. Anônimo30/6/24

    Emocionante, como o vinho pode fazer amigos.

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  6. Belíssimo texto e homenagem mais do que especial e merecida!

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  7. Anônimo30/6/24

    Ricardo - q belo texto. Q delícia de experiência regada a vinhos. Eu li este artigo do Barca Velha de 2015 e gostei muito. Quem diria q seu amigo partiria tão de repente …. Porisso momentos bons com vinho ( eh melhor!!) precisam ser vividos intensamente. Bjo

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  8. Anônimo1/7/24

    Bonita homenagem ao querido Ricardo.

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  9. Anônimo2/7/24

    Lindo texto Bohn! Muitas mesas, taças e aventuras juntos!! Espero podermos continuar a homenagear o nosso Editor, através do nosso trabalho e nas próximas mesas, taças e aventuras enogastronomicas, mundo afora!!!

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