Os vinhos de inverno

RBG Vinhos - Vinícola Guaspari


 
Por Ricardo Bohn Gonçalves

 
O título deste artigo pode gerar dupla interpretação. É fato que estamos no inverno e as noites um pouco mais frias convidam a uma boa taça de vinho. Mas quero escrever sobre um outro vinho de inverno, que é a técnica de viticultura que vem colocando os brancos e tintos do Sudeste brasileiro em outro patamar de qualidade.
 
Explico melhor: vinho de inverno é um dos nomes que a técnica que inverte a data da colheita das uvas, do final do verão, início do outono para o inverno é chamada. Também conhecida como dupla poda, poda invertida ou até colheita de inverno, ela consegue fazer a videira dar frutos exatamente no inverno. Faz isso porque nesta época do ano a amplitude térmica é maior e o clima se caracteriza pela ausência de chuvas, dois fatores que tendem a gerar uvas de maior complexidade. Desenvolvida pelo pesquisador Murillo de Albuquerque Regina, ela consiste em podar a vinícola no verão e, com hormônios e irrigação, fazer com que as plantas gerem frutos no inverno.
 
A técnica dá seus melhores resultados nas regiões sudeste e centro oeste, onde os invernos são mais secos e a diferença de temperatura entre o dia e a noite é maior. No sul, região responsável pela maior produção de vinhos brasileiros, não há no inverno amplitude térmica suficiente para que a videira gere frutos com maior complexidade nesta época do ano.
 
Em nome desta técnica, cito aqui dois exemplos, dos vários possíveis. O primeiro é que as notas mais altas obtidas na última edição do concurso de vinhos da revista inglesa Decanter, o Decanter World Wine Awards, foram para tintos elaborados com essa técnica: o Barbara Eliodora Syrah 2023, da vinícola Barbara Eliodora, em São Bento do Sapucaí (MG), e o Colheita de Inverno Gran Reserva Syrah 2021 e o Grand Reserva Colheita de Inverno Cabernet Franc 2021, os dois da Casa Geraldo, em Andradas, em Minas Gerais quase fronteira com São Paulo. Os três receberam 94 pontos de uma escala até 100 pontos. Ao todo o Brasil teve 37 vinhos com medalha de prata no concurso, mas esses foram os que obtiveram as mais altas pontuações, a mais alta entre as medalhas de prata.
 
O segundo é a Vinícola Terras Altas, que eu tenho a sorte de acompanhar mais de perto. São dois tintos, o Entre Rios Syrah Terroir e o Entre Rios Syrah Equilíbrio, e um rosé, batizado de Casa do Bosque. O projeto nasceu da sociedade entre os engenheiros José Renato Magdalena e Fernando Horta e o agrônomo Ricardo Baldo. Os três decidiram elaborar vinhos no terroir único de Bonfim Paulista, um distrito de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, e lançaram seus primeiros vinhos em 2016.
 
 
Rosas cultivadas nos vinhedos da vinícola Guaspari, na Serra da Mantiqueira
Rosas cultivadas nos vinhedos da vinícola Guaspari, na Serra da Mantiqueira

 
A técnica começou com os vinhos do próprio Murillo, o Estrada Real, que fica em Minas Gerais. As primeiras vinhas foram plantadas em 2001, os vinhos começaram a ser elaborados em 2003, mas apenas em 2010 os primeiros tintos de poda invertida chegaram ao mercado. A maior atenção à técnica veio com a Guaspari, vinícola que fica no lado paulista da Serra da Mantiqueira e que fez altos investimentos em vinhedos e vinícola para valorizar essa técnica. Atualmente, apenas o município do Espírito Santos do Pinhal, onde fica a Guaspari, conta com 28 projetos vinícolas, a maioria ainda sem produção comercial. E na região, são quase 80 vinícolas – logo, a pergunta será se teremos consumidores para todos esses vinhos, mas essa é uma preocupação futura.
 
 
Uvas amadurecem no vinhedo na Serra da Mantiqueira. As telas brancas são necessárias para que os pássaros não comam as uvas maduras
Uvas amadurecem no vinhedo na Serra da Mantiqueira. As telas brancas são necessárias para que os pássaros não comam as uvas maduras

 
A syrah é a variedade com melhores resultados – e também com mais medalhas nos concursos internacionais. Nas brancas, a viognier tem se destacado em safras recentes. Mas ainda é cedo para definir quais serão as variedades que terão sucesso com essa técnica. A grande maioria das vinícolas faz experiências com outras uvas de origem francesa, e também com uvas italianas.

 
Se, na taça, o vinho agrada os consumidores, o seu calcanhar de Aquiles são os hormônios que são necessários aplicar nos vinhedos para que a videira hiberne no verão e acorde no outono, quando deve produzir. Ainda são poucos os estudos sobre o que estes produtos de síntese, químicos, podem causar ao vinhedo. Mas essa é uma resposta que só o tempo dirá.

Comentários

  1. Jose Roberto Gusmão7/7/24

    Boa Ricardo! Aprendi mais uma hoje, a dos hormônios na poda invertida.

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    1. Vinicius Toledo7/7/24

      Ricardo qualquer texto que exalte os ótimos vinhos nacionais é muito mais do que bem vindo é verdadeiramente essencial. Se o Brasil fosse um país que entendesse que vinho é alimento e não um mero produto de luxo, a taxa de importação seria bem mais baixa do que é hoje! Cada vez mais devemos olhar para a produção nacional de vinhos de qualidade como, por exemplo, o Sacramentos Sabina Syrah, elaborado na Serra da Canastra e os vinhos da Arte da Vinha, só para citar dois outros exemplos diferentes dos vinhos que voce já citou no seu texto, parabéns pelo artigo.

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  2. Silvio Eid7/7/24

    Excelente artigo que nos permite conhecer e compreender a evolução dos vinhos nacionais.

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  3. Anônimo8/7/24

    Excelente artigo!

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  4. Luís Fernando Mandelli10/7/24

    olá Ricardo !!!
    Uma pequena correção, se me permite ...
    A vinícola sitada acima "vinícola Barbara Eliodora" está localizada em São Gonçalo do Sapucai (MG) e não em São Bento do Sapucaí (MG)

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