Vinho sem álcool é vinho?

RBG Vinhos
Por Ricardo Bohn Gonçalves


Tive o privilégio de conviver com o Sérgio de Paula Santos, um médico de renome em sua área de atuação, mas, principalmente um ótimo cronista de vinhos e autor de vários livros sobre o tema, que recomendo fortemente. E é com uma frase dele que eu respondo à pergunta do título.

Ele dizia que a decadência da civilização humana acontece quando o homem toma água engarrafada, ou seja, quando vai abrindo mão das propriedades que caracterizam cada bebida. Em sua lógica, café sem cafeína não é café; doce sem açúcar não é doce e, vinho sem álcool, claro, não é vinho.

Lembro sempre desta frase de Paula Santos quando vejo uma pesquisa comentando da tendência dos vinhos sem álcool ou com baixa graduação alcoólica. Pelos estudos, as pessoas estão mesmo partindo para este caminho para evitar os efeitos do álcool no organismo, para ter uma vida mais saudável e para se manter no controle da situação – acho, aqui, que este último argumento vale mais para os jovens. Há, também o caso do motorista da vez, dado que pelas regras de trânsito brasileiras não podemos ter qualquer vestígio de álcool no sangue ao dirigir.

São todos argumentos válidos. E para respondê-los, digo que o Brasil tem sucos de uva maravilhosos, que podem substituir o vinho nestas ocasiões. Eu mesmo sou um consumidor dos nossos sucos.

A minha questão com o álcool está na qualidade da bebida final. Já provei diversos vinhos e espumantes desalcoolizados, elaborados com aquele processo químico de retirar (ou reduzir) o álcool da bebida. E o resultado nunca me convenceu. Podemos alegar que a indústria um dia chegará lá, como aconteceu com as cervejas, principalmente as marcas mais comerciais.

Aqui, não é a minha especialidade, mas depois de muito investir em pesquisas e fórmulas, as grandes cervejarias até conseguem oferecer mercado bebidas sem álcool de qualidade.

Mas isso ainda não aconteceu com o vinho e já tive a oportunidade de degustar vários deles. Sempre fico com a impressão, nos aromas e no paladar, que é uma bebida que passou por muitos processos químicos. Isso não quer dizer que as grandes vinícolas devam parar de investir em técnicas para retirar o álcool da bebida. Estudos sempre são bem-vindos e levam a um aprimoramento do que colocamos nas nossas taças. E também podem ser opções para aqueles consumidores que, por desejo ou necessidade, não podem consumidor bebidas alcoólicas.

Mas prefiro a tendência atual de muitas vinícolas de elaborarem vinhos com menor teor alcoólico, não pela preocupação com o álcool propriamente dito, mas com a ideia de elaborar um branco ou um tinto mais fresco, com foco na fruta. Vão na contramão daqueles vinhos que lembravam geleias de frutas sobremaduras, que marcaram muito as últimas décadas.

Conduzir os vinhedos para que as plantas não sofram com o sol intenso; colher mais cedo, com a uva no ponto certo de maturação são duas dos manejos que resultam em brancos e tintos com menor teor alcoólico. E este é o caminho que eu acredito.

Comentários

  1. Anônimo25/8/24

    Concordo. São mais frescos , mais agradáveis. Aguardo as dicas desses vinhos , especialmente os brancos 🤩🇵🇹

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  2. Vinho é uma bebida milenar e cada garrafa traz a sua própria história e personalidade. O processo de retirada do álcool afeta o sabor, aroma e textura, alterando as características do vinho. Querem preferir vinho sem álcool, deveria escolher o suco.

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  3. O triste é que isso acaba com um chiste antigo, do Barão de Itararé: "qual o vinho que não tem alcool?".. e, ante a dificuldade na resposta, segue: "ora! é ovinho de codorna"...

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