Uma cordilheira, duas realidades

RBG Vinhos
Imagem: Gettyimages

Por Ricardo Bohn Gonçalves


Gostaria de sugerir a quem acompanha os vinhos do Chile e da Argentina que programe uma viagem para cruzar a Cordilheira dos Andes. Pode ser de avião, o que eu recomendo, mas também de carro ou até mesmo de bicicleta – dias atrás uma amiga comentou comigo da história de um casal que enfrentou os Andes de bicicleta! Se quiser conferir a aventura, o instagram deles é @pedalando.entre.vinhos.e.cafes . E, desconheço, mas talvez tenham aqueles que cruzam este conjunto de montanhas a pé, caminhando.

Recomendo cruzá-la porque a cordilheira molda dois perfis completamente diferentes de vinhos, em suas encostas argentinas ou chilenas. E observar os Andes é uma forma perceber e aprender porque os seus vinhos são tão diferentes.

A cordilheira é realmente gigante, com seus picos de até 6.961 metros (no caso o Aconcágua). Como uma barreira natural, este conjunto de montanhas garante que a Argentina tenha um clima continental, sem qualquer influência do oceano, mesmo estando a 6.300 quilômetros do Pacífico. Neste lado, a cordilheira torna o clima desértico, e as vinhas, aliás, qualquer cultura, só pode ser cultivava com irrigação. A água chega às vinhas pelo degelo dos Andes, em um sistema de comportas, e também de grandes poços. Mas, com todas as mudanças climáticas, o uso da água é cada vez mais restrito, inclusive com a proibição governamental de construir novos poços. Por isso, os invernos rigorosos, que se traduzem em uma cobertura de neve nos picos dos Andes, são tão importantes para o vinho – além de tornar a vista, para quem sobrevoa as montanhas na rota Mendoza-Santiago, muito bonita.

Para vencer este calor do deserto e conseguir vinhos com maior frescor, muitos produtores argentinos vem subindo a montanha. Aos pés dos Andes, altitude é sinônimo de clima frio e, sabemos que clima frio, ainda mais com maior amplitude térmica, gera uvas e, consequentemente, vinhos mais complexos. Ao sul de Mendoza, Gualtallary é uma das regiões mais procuradas para os vinhedos de qualidade e há vinhas plantadas a 1.500 metros do nível do mar. Em Salta e região, ao norte do país, há vinhas beirando os 2.500 metros do nível do mar.

Esta altitude, ainda, torna mais forte a incidência dos raios solares nas uvas, o que leva os enólogos a estudarem formas de manejo das plantas. Há vários estudos recentes que mostram a influência desta luminosidade mais intensa nas vinhas. Mas, do nosso lado de enófilos, só não podemos esquecer do protetor solar.

Do lado chileno, a cordilheira é também exuberante, mas tem as tonalidades verdes, contrastando com os tons de areia do lado argentino. A sua altura garante que a influência do oceano Pacífico fique apenas no lado chileno, definindo um clima mais fresco, o que se nota na paisagem. Em dias nublados, por exemplo, percebe-se que são poucas nuvens, ou talvez nenhuma, que conseguem cruzar esta barreira de montanhas.

Também não é viável para as vinícolas investirem em vinhedos em grandes altitudes, já que do lado andino as montanhas são mais íngremes. A vinhas cultivadas a 600, 700 metros do nível do mar já são consideradas de altitude.

A cordilheira também define as variedades cultivadas nas suas encostas. Do lado chileno, a aposta aos pés dos Andes é, principalmente, pela cabernet sauvignon. No deserto do outro lado da montanha, brilha a malbec. Ali, a variedade tem todo o tempo do mundo para amadurecer e mostrar os seus taninos sempre tão macios, de causar inveja a outros malbecs cultivados ao redor do mundo.

Quem poderia dizer que uma única montanha, aliás, que um único conjunto de montanhas, poderia definir tanta diferença nos vinhos elaborados em cada um dos seus lados?

Comentários

  1. Anônimo20/10/24

    Gostei.

    ResponderExcluir
  2. Marco Pereira21/10/24

    Ricardo, muito interessante este seu post. Não tinha parado para pensar sobre tanta diferença entre os produtores de vinho nos dois lados da cordilheira. Imaginava apenas sobre a influência dos ventos frios do Pacífico mas a coisa é mais complexa. Obrigado pelas informações.

    ResponderExcluir

Postar um comentário