Por Ricardo Bohn Gonçalves
Não conheço uva mais injustiçada do que a merlot, principalmente depois do filme “Sideways – entre umas e outras”. Se a película levantou o interesse pela pinot noir, por outro lado atrapalhou muito a vida da merlot. E justo desta variedade que sempre apreciei nos vinhos de Bordeaux e que faz aniversário nesta semana que entra – 7 de novembro, a próxima quinta-feira, se comemora o dia da merlot.
Originária de Bordeaux, a merlot dá origem a tintos mais leves do que os elaborados com a cabernet sauvingon e, talvez isso seja o início da sua discriminação. A cabernet sauvignon se destaca pela sua potência e poder de gerar vinhos longevos, roubando a cena. Isso mesmo com a merlot brilhando nos grandes vinhos da margem direita do rio Dordogne, em regiões como Pomerol e Saint Emilion. Em defesa da variedade, só lembro que ela é a uva prioritária do Château Petrus, o mítico tinto de Pomerol e um dos mais caros do mundo.
E sem a merlot o prestigiado corte bordalês não existiria: ela e a cabernet sauvignon são a base desta assemblagem, que pode contar também com a cabernet franc, a petit verdot, a malbec e a carménère, todas elas originárias da mesma região. Aliás, merlot e cabernet sauvignon são, as duas, “filhas” da cabernet franc, com a diferença que a merlot surge do cruzamento com a magdeleine noire des charentes; e a cabernet, com a fusão com a sauvignon blanc.
Posso imaginar que é a sua timidez que torna a merlot menos prestigiada, mesmo sendo a variedade mais cultivada em Bordeaux. Outra história em que a merlot é desprestigiada está na chegada da carménère no Chile. Pelos acasos do destino, mudas de carménère chegaram ao Chile misturadas com a merlot. Por muito tempo, os enólogos sabiam que tinha uma variedade diferente, talvez até uma mutação, era cultivada nos vinhedos de merlot. Mas apenas 30 anos atrás que o ampelógrafo francês Jean-Michel Boursiquot identificou que aquela merlot diferente era, na verdade, a carménère.
Moral da história: a carménère passou a brilhar – hoje é a uva emblemática do Chile – e coube a merlot se conformar, novamente, com o segundo plano.
Até mesmo no Brasil, a merlot sofre. Como tem um ciclo vegetativo mais curto – leia-se suas uvas amadurecem antes do período de chuva – ela é a variedade tinta mais bem adaptada à região da Serra Gaúcha. Além disso, na denominação de origem Vale dos Vinhedos, ela é a variedade que deve predominar no blend para que os vinhos possam ter o selo da denominação. Porém: não raro os consumidores procuram a primeiro a cabernet sauvignon.
Por tudo isso e porque acho a merlot uma variedade, digamos, simpática, meu convite é para comemorarmos o dia da merlot, nos perguntando se não devemos consumir mais os tintos elaborados com a variedade? E, claro, abrindo uma garrafa de um tinto elaborado com a merlot. Assim, aposto que vocês vão ser novos defensores da uva.
Otimo texto Rica. Realmente para “entender” a Merlot precisa passar pelos vinhos de Pomerol. Serão imbatíveis com relação às outras muitas regiões do mundo que também a produzem.
ResponderExcluirBom, eu gosto muito dos merlots brasileiros, mas não conhecia a história. Obrigado Ricardo
ResponderExcluirMais uma grande texto, Professor! E estou contigo, pois a 'merlot
ResponderExcluir'merlot' é muito injustiçada mesmo, sendo raro encontrar - fora os iniciados - que busque um varietal da cepa.
ExcluirTexto de advogado da Merlot muito convincente!
ResponderExcluirRBG, gostei demais do texto. Realmente a merlot não merece tanto esquecimento ainda mais que ela é a base do corte bordalês, junto com sua irmã cabernet sauvignon. Vamos comemorar seu aniversário no dia 7/nov, e sempre.
ResponderExcluirGostei de ler. Não sabia da importância da merlot, realmente bem injustiçada.
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