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Por Ricardo Bohn Gonçalves
Edgar Allan Poe, sempre brilhante, utiliza a paixão do personagem Fortunato pelo jerez, o vinho fortificado do sul da Espanha, como fio condutor do conto “O Barril de Amontillado”, publicado pela primeira vez em 1846, na revista Godey’s Lady’s Book. Décadas, aliás, séculos se passaram, e o conto de terror segue atual, assim como a paixão por este vinho andaluz. Eu mesmo me confesso um apaixonado pelo jerez, em todos os seus estilos, do mais seco, perfeito para acompanhar os tapas espanhóis, como o pão do tomate, ao mais doce, que vale por uma sobremesa.
Reconheço que o jerez é uma bebida complicada. Para quem não conhece, é um vinho “diferente” dos brancos e tintos que estamos acostumados a degustar. Tem um teor alcoólico mais alto (começa com 15% de álcool, no caso de um fino ou de um manzanilla), tem aromas próprios, do toque mais salgado ou de notas oxidativas, com muitas amêndoas e frutas secas.
As particularidades do jerez começam com as soleiras e criadeiras, que são as barricas de carvalho, chamadas de botas, onde o vinho envelhece depois de fermentado e fortificado. No seu estágio nas vinícolas de Andaluzia, o jerez vai passando das criadeiras, que estão empilhadas, sempre começando naquelas que estão no topo, até chegar à última, que é a soleira, porque está próxima ao solo.
Neste processo, o jerez pode ter uma crianza, como é chamado este seu amadurecimento nas barricas, biológica ou oxidativa. Na biológica, um véu de flor é formado dentro das barricas, o que protege o vinho do contato com o oxigênio. A flor é a maneira poética de chamar a camada de levedura que se forma dentro das barricas. Na oxidativa, este véu não se forma e o vinho envelhece em contato com o oxigênio, ganhando aromas e sabores que remetem às frutas secas e aos toques mais oxidativos. E a flor não se forma porque o vinho foi fortificado com um teor mais alto de álcool (ao redor de 17º, o que dificulta o crescimento da levedura).
Mas mesmo na criança biológica há diferenças. O fino é o melhor exemplo deste estilo de vinho e sempre recomendo ter uma garrafa dele na geladeira. É o vinho elaborado com a uva palomino em Jerez de La Frontera. Mas tem também o manzanilla, que é igualzinho ao fino, mas com a palomino cultivada na região de Sanlúcar de Barrameda, que se caracteriza por um toque um pouco mais salgado. Se quiser conhecer este estilo, a RBG Vinhos tem o manzanilla da Delgado Zuleta.
Um oloroso, por sua vez, também é elaborado com a uva palomino, mas é fortificado a 17º graus, o que dificulta o desenvolvimento deste véu de flor, que faz com que o vinho envelheça em contato com o oxigênio. Isso o torna mais estruturado, complexo, e com notas oxidativas e de frutos secos. O amontillado, que deu origem ao conto de Poe, nasce como um fino ou um manzanilla, mas em algum momento a flor desaparece e ele passa a ter contato com o oxigênio (temos o Monteagudo Amontillado). E tem ainda o palocortado, que nasce como um fino ou manzanilla, fortificado a 15ºgraus e, se nas provas de barricas, os produtores percebem aromas especiais, o vinho é então fortificado novamente a 17º. E o barril é marcado com uma bola e um traço, o palo cortado.
Acho que aqui o consumidor já desistiu de entender a bebida. E eu ainda nem falei dos jerezes doces, como o cream e o PX, a abreviação de Pedro Ximenez, elaborado com a uva deste nome e que tem notas que remetem à rapadura, como vocês podem conferir no Pedro Ximenez Monteagudo. É um exemplo de vinho de contemplação, tamanha a sua untuosidade e complexidade.
Por isso, esta Semana Internacional do Jerez é tão importante. Ela nasceu de um grupo de apaixonados pela bebida, e aqui destaco o brasileiro Bernardo Pinto, o melhor embaixador desta bebida e que organiza as atividades desta semana aqui no Brasil. A ideia é simples: incentivar as pessoas a provarem jerez. Assim, são criadas diversas ações, de aulas, degustações, provas, e todas estas atividades são divulgadas em um site específico, o https://www.sherry.wine/sherryweek. Uma rápida consulta ao site mostra que já são mais de 2.800 eventos em 29 países.
A proposta é que todas estas ações sejam divulgadas no site, gerando um interesse pela bebida. Mas, como a ideia é democratizar este consumo, qualquer pessoa pode criar o seu próprio evento e colocar no site. O modelo parece estar dando certoe está em sua 11ª edição. Ao checar os eventos, há muita degustação principalmente na Europa, em Nova York e, no Brasil.
É uma maneira de incentivar a bebida sem grandes campanhas publicitárias e apostando que provar e falar do jerez é uma maneira de despertar a atenção do consumidor para a bebida. Neste ano, minha sensação é que o fã clube da bebida cresceu, criando os mais diversos programas de jerez. Um exemplo é que a semana do jerez termina amanhã, domingo, com a projeção de um filme, o “Jerez y el Misterio del Palo Cortado”, que será exibido na Vinícola Urbana, aqui em São Paulo. Este é um evento da importadora Belle Cave, e os ingressos podem ser comprados no site do sympla.
Magnífica aula dobre o Jerez. OBRIGADO!
ResponderExcluirAdorei a forma simples de falar de um tema tão complicado. Eu mesmo raramente consumo pela dificuldade em entender o que terá dentro da garrafa. Adorei!
ResponderExcluirRicardo excelente texto. Realmente uma bebida pouco conhecida. Parabéns.
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