Um manifesto pelos vinhos mais leves

Por Ricardo Bohn Gonçalves

Eu gostaria de assinar um manifesto pelos vinhos leves e frescos na ceia do Natal. Nada daqueles tintos encorpados, alcoólicos, independentemente da sua qualidade ou dos seus rótulos de renome. Isso vale, inclusive, abrir mão de uma harmonização perfeita, em pró de um jantar mais agradável.

Há um descompasso entre receitas natalinas, vinhos e clima ambiente aqui no Brasil que justifica este meu manifesto. O Natal, com suas mesas lindamente decoradas, acontece no verão, mas as nossas principais receitas copiam – ou se inspiram – naquelas criadas para receber o Papai Noel em sua chaminé cheia de neve. São criações deliciosas, de dar água na boca, certamente, mas que harmonizam com vinhos mais potentes, encorpados, e onde raramente há espaço para um branco ou um rosado.

Ainda bem que, pelo menos, o espumante ou o champanhe é mantido, talvez mais pela sua tradição para o brinde do que por uma preocupação em ter na ceia uma bebida mais refrescante.

Eu sempre me pergunto: por que importamos a ceia natalina dos países do Hemisfério Norte? Começa que já tenho compaixão por todos aqueles que têm de usar a vestimenta do Papai Noel nos eventos familiares, para alegrarem as crianças presentes. Esta fantasia é muito quente, para um inverno que não encontramos por aqui.

E o que falar dos vinhos que devem acompanhar estas ceias? Eles não caem bem nestes jantares, por serem muito pesados, potentes. Por isso o meu clamor pelos vinhos leves. Sugiro que a noite de Natal e a de Réveillon também (aliás, todas as noites em que o vinho se fizer presente nestas datas festivas no verão) comece com um bom espumante. A base deste estilo de vinho é a acidez, que podemos chamar aqui de frescor, e que combina com o clima da estação. Combina também com várias receitas de aperitivos, entradas, inclusive saladas mais requintadas.

O passo seguinte são os brancos. Chablis, o branco francês que está tão em evidência, combina com boas saladas também, vai muito bem com peixes e frutos do mar, por exemplo. E quando chegar a hora do vinho tinto, procure vinhos mais leves. A pinot noir é a uva que melhor exemplifica este manifesto. E que pode combinar muito bem com um tender, uma das receitas natalinas. Gosto também da uva tempranillo, aqui com suas versões com menos tempo por passagem em barricas de carvalho.

Há uma tendência atual de elaborar tintos mais frescos. Ou, como os especialistas gostam de definir, focados na fruta fresca, não tão madura ou em compota, e nem sempre com estágio em madeira (leia-se, os tais barris de carvalho). São estes tintos que, eu acredito, devem acompanhar as ceias de final de ano.

O argumento final do meu manifesto é que em eventos comemorativos, no qual não necessariamente o vinho é a estrela, não precisamos ser radicais e seguirmos as regras da harmonização ao pé da letra. Se a combinação não for perfeita, o Natal ou o Réveillon não serão menos especiais. Muito pelo contrário, os convidados estão preocupados em confraternizar e o vinho pode ser um acompanhante desta celebração, daquele que até destoa um pouco, mas que será sempre bem-vindo.

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