
Por Ricardo Bohn Gonçalves
Gosto muito da frase da baronesa Philippine de Rothschild, que fez história com o Château Mouton Rothschild. Ela dizia que fazer vinho é fácil, o difícil são os primeiros 200 anos. Posso dizer que a nossa vizinha Argentina ainda neste primeiro século de sua história, quando pensamos em vinhos de maior qualidade, tem surpreendido (sem esquecer que o país elabora tintos e brancos desde a chegada dos espanhóis, cerca de cinco séculos atrás).
Chama a minha atenção que a Argentina começou inspirada nos vinhos de Bordeaux. Na virada do século passado para o atual, quando o país dava os seus primeiros passos rumo ao mercado internacional, os enólogos viam a malbec como o vinho potente que iria colocar o país no mapa mundi. Elogiavam o seu clima desértico, que permitia deixar as uvas amadurecem completamente nos vinhedos, sem o risco das chuvas. Apostavam em brancos e, principalmente, tintos com muita extração de frutas e em prolongados estágios em barricas de carvalho. E conquistaram muitos consumidores.
O interessante é que hoje a Borgonha parece a inspiração para os melhores vinhos argentinos. Calma, eu sigo fã da Borgonha, como vocês bem sabem, e sei que há inúmeras diferenças entre a pinot noir, da Borgonha, e a malbec ou a cabernet franc, uma variedade que vem surpreendendo na Argentina. Mas quero falar do conceito que na Borgonha começou com os monges cistercienses, ainda na Idade Média, que parece ser agora a filosofia de vários enólogos na Argentina. Um conceito de que é preciso mais do que conhecer cada pedaço de terra, mas saber interpretá-lo.
Com os seus conceitos claros de clima e de vinhedos classificados como grand cru, os monges franceses mostraram que cada pedaço de terra dá origem a vinhos particulares. E, mais do que isso, que cada produtor vai interpretar sua pequena parcela de vinhedos – o que explica porque na Borgonha é preciso saber quem é o produtor, mas até do que qual o nome do vinhedo.
Na Argentina, me surpreendo com este trabalho de produtores com foco em entender as parcelas de seus vinhedos, em uma tendência que se percebe mais no vale de Uco, ao sul de Mendoza. E Gualtallary parece ser a região que melhor expressa esta tendência. Atualmente, sabe-se que, na Argentina, a altitude é um diferencial, seja pela sua luminosidade (que tem um efeito na maturação das uvas), seja pelo clima.
Em uma escala de temperatura, Gualtallary tem clima semelhante a Chablis e a Champanhe. E há vinhedos cultivados bem próximos aos Andes, em terrenos a 1.700 metros do nível do mar.
Além disso, depois de observarem que uvas plantadas lado a lado tinham aromas diferentes – e aqui eles foram mais rápidos do que os monges, que levaram séculos anotando estas características –, as vinícolas passaram a estudar o seu solo, ou melhor, o seu subsolo. E descobriram que, pela formação da Cordilheira dos Andes, tinham um subsolo muito diverso, alguns com mais pedras, outros com mais argila, alguns com mais calcáreo.
E, atualmente, usam este conhecimento do vinhedo para colher as uvas por parcelas, vinificá-las separadamente e, assim, revelar as suas características. É a Borgonha como inspiração.
Acho que entendi, mas é mais uma reflexão do que uns afirmação. Bordeaux dá lição de assemblage, pois corrige a safra mais ou menos tânica do Cabernet Sauvignon com outras características das uvas permitidas. Na Borgonha, a dificuldade parece maior, monivarietal e mais, onde a palavra chave é a elegância, a complexidade....
ResponderExcluirOi Ricardo, sempre bom ler sua coluna. Essa é especialmente interessante, pois fala da parcela de Gualtalary e cabernet franc e dos borgonhas. Gosto muito do Gran Enemigo Gualtalary. E ontem. falando com um grande conhecedor e dono de uma adega de ótimos borgonhas, coincidentemente, ele comentou que tanto no Chile, Argentina quanto no sul do Brasil há pequenos produtores de Pinot Noir surpreendentes. Ele até nos presenteará um pinot noir brasileiro para incluirmos em degustação às cegas de Borgonhas maduros.
ResponderExcluirabraços
Gostei da reflexão e aprendi.
ResponderExcluirRicardo,
ResponderExcluirParabéns por esse seu texto. A abordagem que vc usou foi EXCELENTE. Só um conhecedor da viticultura pode ver e entender todos esses detalhes de solo, altitude, incidência solar, temperatura e etc para a produção de um bom vinho.
E tem também aquela visão do produtor reconhecer uma pequena parcela de uma determinada safra e produzir uma pequena quantidade do produto para chegar as mãos de poucos apreciadores. É assim que se constrói o nome de uma boa vinícola.